A corrupção está em nós

Kayla Pachêco

Certa vez, ao trabalhar interpretação textual com meus alunos do Ensino Fundamental, a leitura de um artigo sobre corrupção tomou dimensão de um debate acerca do problema.

Embora aqueles estudantes fossem ainda adolescentes com nível de leitura superficial, sua visão de mundo já alertava para uma crítica sobre a conduta coletiva que tornou-se uma verdadeira chaga na dinâmica das relações sociais.

Muitas são as definições para o substantivo corrupção. Entre os sentidos adotados pelo dicionário Aurélio, apresentamos o de “Ação ou resultado de subornar, de oferecer dinheiro a uma ou várias pessoas, buscando obter algo em benefício próprio ou em nome de uma outra pessoa; suborno. Bem como a utilização de recursos que, para ter acesso a informações confidenciais, podem ser usados em benefício próprio. E por fim, desvirtuamento de hábitos; devassidão de costumes”.

Grosso modo, a palavra corrupção remete à atuação pouco civilizada e por vezes criminosa, protagonizada por sujeitos do meio político, ocupantes de cargos e funções em instituições públicas. Mas, naquela leitura breve de uma página, meus alunos já refletiam que a corrupção está em nós, cidadãos comuns, nos gestos mais simplórios de nosso cotidiano. 

Ali, elencamos algumas condutas reprováveis do ponto de vista da ética e do contrato social. Embora muito jovens, a lista elaborada pelos alunos continha situações como matar aula; furar fila; entras duas vezes na fila da merenda; colar na prova; não devolver um objeto encontrado; se apropriar do dinheiro público e aceitar vantagens de origem duvidosa.

Esse interesse em falar de um tema complexo durante uma aula de Língua Portuguesa pode ser resultado da crise de valores que o contexto atual enfrenta. Dia a dia os noticiários sustentam-se em novos escândalos de corrupção, o que tem gerado o sentimento de descrença na democracia pela sensação de impunidade que os episódios narrados nos meios de comunicação têm gerado. 

Mesmo com previsão legal que incrimine e imponha sanções às condutas corruptas, como o artigo 317 do Código Penal brasileiro, o ordenamento jurídico e as instituições judiciárias e de segurança não conseguem abarcar todas as situações moralmente reprováveis. Isso porque a corrupção está em nós, enraizada em hábitos ensinados pelo mau exemplo. E de quem é a culpa?

Arrisco afirmar que a culpa é do sistema. É fruto da evolução histórica baseada no velho ditado “o mundo é dos espertos”. Assim como as manchetes denunciando a corrupção praticada por personalidades, e os protestos contra esses crimes têm sido cada vez mais frequentes. O que penso ser apenas uma gota no oceano. 

Digo tudo isso porque me assombra as últimas manchetes sobre os desdobramentos da pandemia da Covid-19 em níveis nacional e regional. Entre os números sobre contágio e mortes, um outro aspecto demonstra o índice doentio de uma parte significativa da população, a corrupção.

Em meio aos desvios milionários de recursos destinados ao combate da doença, praticados por figuras públicas, nas últimas semanas também tivemos de conviver com as listas de pessoas com padrão socioeconômico confortável e servidores públicos que entraram na fila e usurparam os famosos R$600,00 do Auxílio Emergencial liberado pelo Governo Federal. 

Exceto os casos do uso de dados por terceiros, o recebimento indevido do benefício destinado somente às pessoas em situação de vulnerabilidade, demonstra quão doentia está nossa sociedade. Assim como em outras regiões do país, aqui não foi diferente, o Tribunal de Contas do Estado do Tocantins identificou mais de quatro mil servidores públicos no grupo dos beneficiários irregulares do Auxílio Emergencial. Desse montante, um percentual significativo é composto por pessoas do Bico do Papagaio, que tiveram seus nomes divulgados entre fazendeiros, empresários e políticos da região, na lista de pagamentos investigados. Levantamento da Controladoria Geral da União aponta que o Maranhão foi a unidade da federação em que mais servidores públicos receberam o auxílio, passando de 85 mil trabalhadores com emprego formal.

Para além de um vírus com capacidade letal, a corrupção praticada nesses atos confirma a teoria preconizada por Russeau de “que o ser humano nasce bom, mas a sociedade o corrompe”. 

Para meus alunos, aquela aula talvez não tenha significado tanto, mas ficou na memória, como espaço e oportunidade de repensarmos nossa existência enquanto sujeito parte desse tecido social. Como assevera o filósofo Pedro Demo, “o sistema não teme um pobre com fome, mas teme um pobre que sabe pensar”. Que usemos os maus exemplos não para a reprodução, mas para a transformação social.

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