Enquanto a vacina não vem
Findadas
as aventuras eleitorais vivenciadas nos últimos meses, por mera coincidência ou
por pura ironia, os casos da Covid-19 voltam a assustar. Seria o famoso efeito dominó do relaxamento
nas medidas de prevenção? Ou porque o assunto voltou a ser manchete na mídia
depois que o picadeiro das disputas partidárias apagou as luzes?
Além dos
milhares de anônimos acometidos ou vitimados pela doença, desde o 15 de
novembro muitas personalidades artísticas e políticas também entraram para as
estatísticas. O que acalorou o debate em torno da necessidade de se prolongar e
endurecer as medidas de contenção através do controle estatal.
Essa
nova onda de notícias sobre o colapso dos sistemas de saúde Brasil afora ganhou
um novo fato: o início dos testes para a imunização em massa em vários países,
exceto na terra verde amarela. Enquanto cientistas avaliam os efeitos
colaterais do antídoto nos voluntários em outras partes do globo, aqui
assistimos ao embate entre os estados e o Governo Federal sobre o direito de
adquirir e aplicar as doses tão desejadas pela maioria da população.
Em meio às
discussões sobre a eficácia da “Coronavac”, além da divisão de opiniões entre
os que anseiam pela dose e os que duvidam de sua validade, temos outro fator,
as festas de fim de ano e os apelos de marketing para aquecer as vendas no
período de maior movimento no comércio. Afinal de contas, já são nove meses
desde o início do distanciamento social, muitos feriados e festividades adiados
e cancelados, prejuízos à economia e muitas tentativas de burlar as
recomendações das autoridades sanitárias, algumas veladas e outras bem
evidentes. Nesse meio tempo é como se o número de mortos, que já se aproxima
dos 200 mil só no Brasil, tivesse perdido a devida importância.
De que
os avanços científicos em busca da vacina contra a Covid-19 sejam a esperança
de que tudo ficará bem não há dúvidas. Mas para além do avanço científico na
corrida pela vacina, e da chance de salvar milhões de vidas, a sensação é de
que a imunização em massa tenha se tornado projeto pessoal ou de poder.
Individual quando pessoas tentam se favorecer de sua condição social para
garantir acesso ao sistema de distribuição e serem privilegiados com as
primeiras doses. E plano de poder quando autoridades negligenciam a gravidade
da crise sanitária em negociações milionárias, esquemas de corrupção, e se
projetam na mídia como se estivessem realmente lutando pela vida do povo que
representam, quando na verdade usam os holofotes para se projetar para a
campanha presidencial que se avizinha em 2022.
Nesse
show de absurdos diários, ainda há mais um espetáculo tão desprezível quanto a
as eleições e suas aglomerações. Os sistemas de ensino, públicos e privados,
persistem com o discurso de que o ano letivo está a salvo. Na rede particular,
muitas propagandas sobre plano de contingenciamento para defender o retorno das
aulas presenciais, o que ocorreu em todos os cantos do país. Na rede pública
também houve mídia dessa natureza, porém o retorno às salas de aula foi mais
tímido, justamente pela disparidade nas condições estruturais de ambos.
Enquanto
isso, sindicatos, associações, professores e uma parcela de familiares realizam
mobilizações virtuais para que as aulas presenciais não sejam retomadas antes
da liberação da vacina. E como fica o aprendizado? História pra “inglês ver”,
“pra boi dormir”, ou de “trancoso” como dizemos aqui no norte.
Escrevo
isso após encerrar uma aula remota com apenas três, de uma turma de onze
alunos. Desde junho, quando retomamos o ano letivo, à distância, as interações
on-line foram diminuindo cada vez mais. Há dias em que nenhum aluno consegue
responder sequer a chamada, por falta de internet ou mesmo de interesse nessa
modalidade de ensino. Quando estão “presentes”, a tentativa de explicar os
conteúdos exigidos no currículo de cada série têm sido em sua maioria frustradas
com os famosos roteiros de atividades semanais ou quinzenais. São pilhas e mais
pilhas de papel circulando com muita coisa escrita, quase nada aprendido, mas tudo registrado
para garantir a carga horária exigida por lei para cumprir o ano letivo.
Cabe
até uma paródia da cantiga de roda “Enquanto seu lobo não vem”.
Vamos
brincar de dar aula, enquanto a vacina não vem...

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