O jogo do “Par ou ímpar?” na política
Há cerca de 500 a.C., os
matemáticos discípulos de Pitágoras estudavam a natureza dos números. De acordo
com a concepção pitagórica, par é
o número que pode ser dividido em duas partes iguais, sem que uma unidade fique
no meio, e ímpar é aquele que não pode ser dividido em duas partes iguais,
porque sempre há uma unidade no meio.
Ao se trabalhar com a educação
básica, para ensinar as crianças essa classificação dos números naturais,
geralmente recorremos a estratégias que envolvem brincadeiras, músicas, e
exemplificações diversas com apoio de materiais concretos. Nessa rotina, as
crianças aprendem que dividir o todo em partes iguais é bem mais simples e
equilibrado que a divisão dos números ímpares.
Até aqui tudo muito tranquilo
e óbvio. Mas, a lógica matemática como a concebemos na escola, não funciona com
a mesma clareza nas relações sociais que permeiam o campo da política.
Há cerca de três anos, eu ouvi de um
profissional em marketing político uma outra definição. Segundo ele, na
organização do calendário, os anos pares são sempre positivos, produtivos e
rentáveis, ao contrário dos anos ímpares, geralmente mais fadados à recessão e
o marasmo, para não ser pessimista e falar em crises, principalmente as de ordem
econômica.
Naquele momento eu não havia
compreendido bem qual a relação de par ou ímpar com o comportamento do tecido
social em termos de política partidária. Só agora, após algumas leituras que
chegaram a mim por conta da atuação no ramo de comunicação, e pela proximidade
com o pleito eleitoral é que aquelas palavras ficaram mais inteligíveis.
É que a dinâmica matemática
comumente é traduzida para o campo partidário nos discursos que ouvimos a cada
dois anos, durante os pleitos eleitorais, por coincidência, sempre em anos
pares. “Precisamos avançar”; “nosso povo quer mudança”; “saúde e educação de
qualidade”; “desenvolvimento”; “respeito e qualidade de vida”, são alguns dos
jargões bradados nos palanques desse nosso Brasil pelos candidatos de oposição.
Em contrapartida, os da situação costumam utilizar expressões do tipo “Foram
muitos desafios, mas superamos”; “Trabalhamos muito e conseguimos melhorar”;
“elevamos os indicadores sociais”; “Temos muitas conquistas a comemorar”...e lá
se vão números e mais números para quantificar valores e benefícios que segundo
eles, são aplicados a favor da grande massa que os aplaudem.
Com o pleito eleitoral
findado, nos anos seguintes, também sempre ímpares, os discursos ganham outro
tom: “Precisamos ter cautela, não há recursos suficientes”, “a economia do país
está em crise”; “os servidores têm de compreender a impossibilidade de dar
aumento salarial”, e por aí mais uma meia dúzia de expressões para justificar o
que o marqueteiro havia falado sobre os anos ímpares. É que na política, mesmo
em anos pares não há divisão igualitária de recursos. Nos anos ímpares, essa
divisão fica ainda mais desigual e desumana.
Pois é, estamos em um ano par.
Como diriam os gritadores de bingo, redondo, de rombo. De rombo mesmo, pois é
nos anos pares que o dinheiro rola solto, jorra das mãos dos que querem alcançar
o poder por meio da política para remunerar os experts em discursos e peças
publicitárias que os colocam sempre como redentores da pátria (e isso é
permitido por lei). Infelizmente jorra até na mão do eleitor, que ainda não
entendeu seu papel soberano em um sistema democrático. Por mais que os órgãos
de controle tentem inibir tal prática, ela ainda é muito presente em nosso
meio.
Além de todo esse circo armado
nos palanques eleitorais, nos últimos cinco anos estamos convivendo com uma
estratégia ainda mais perigosa. Com a forte influência das redes sociais nas
decisões eleitorais, a preocupação de grande parte dos candidatos e seus
marqueteiros não é mais garantir o melhor discurso, baseado nas melhores
propostas. Boa parte do staff de
campanha se ocupa de desconstruir a imagem dos opositores.
Para isso, utilizam as redes
de convivência virtual para disseminar fake
news e proliferar discursos de ódio que garantam a derrocada dos
competidores que estivem pelo caminho. Foi assim que candidatos tidos como
improváveis chegaram ao poder, como o caso de Donald Trump e Jair Bolsonaro. E
é assim que vejo muito candidatos começarem a formular suas campanhas nesse
pleito de 2020. Sem propostas contundentes para realmente superar os desafios
de ordem econômica, sanitária e educacional que a pandemia nos trouxe em 2020,
muitos agem como o Dick Vigarista da corrida maluca, apostam em polêmicas
criadas em laboratório contra seus opositores para vencer as eleições
municipais.
Enganando e iludindo, não com
propostas positivas em palanque, porque a maioria nem tem um plano de governo
original e elaborado com base em estudos científicos e sociais. Mas com o
terrorismo digital, é que boa parte dos candidatos pretendem ocupar as cadeiras
do Executivo a partir de 2021.
O que nos resta como
eleitores? Sermos mais espertos que os engenheiros do caos. Buscarmos leitura
sempre em fontes confiáveis para não cair em falácias e não acreditar nos lobos
vestidos em pele de cordeiro, dialogar com familiares e amigos para tentar
alertá-los da pirotecnia que envolve a propaganda eleitoral oficial, bem como
as teorias da conspiração que circulam nas redes sociais.
É tarefa fácil? Não,
principalmente porque a crença nas fake
news é decorrente da ideologia que cada leitor comunga, e essas informações
falsas são matematicamente direcionadas para cada perfil de eleitor de acordo
com sus convicções.
Não podemos deixar que o jogo
de par ou ímpar da indústria de campanhas determine os rumos de nossas
comunidades. A batalha virtual já se iniciou. A disputa pelo poder está
esquentando. Nossa esperança é que um dia, o vencedor desse jogo seja o povo,
não os candidatos.

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