Nordeste: lugar de gente consciente e feliz

 


 

Arte é busca de verdades através dos nossos aparelhos sensoriais. (Boal 1977, p. 11)

        Já dizia Augusto Boal (1977, p. 23-24): “A arte apresenta sempre uma visão do mundo em transformação e, portanto, é inevitavelmente política, ao apresentar os meios de realizar essa transformação, ou de demorá-la”.

Hoje deixo a você, amigo leitor, uma obra de arte. Com a sensibilidade de uma mulher nordestina, mãe, trabalhadora e estudante, a professora Rute Santos nos agracia com seu potencial estético através do fazer docente de figura de resistência política e social.

Boa leitura!

Nordeste: lugar de gente consciente e feliz

(Autora: Rute Santos)

(Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia)

(Música instrumental: brasileirinho)

 

Recital do poema de Torquato Neto “Cogito”


Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia

Resplandente, cadente, fagueira num calor girassol com alegria

Na geleia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia

Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi

Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

 

A alegria é a prova dos nove e a tristeza é teu porto seguro

Minha terra é onde o sol é mais limpo e Mangueira é onde o samba é mais puro

Tumbadora na selva-selvagem, Pindorama, país do futuro

Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi

Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

 

É a mesma dança na sala, no Canecão, na TV

E quem não dança não fala, assiste a tudo e se cala

Não vê no meio da sala as relíquias do Brasil:

Doce mulata malvada, um LP de Sinatra, maracujá, mês de abril

Santo barroco baiano, superpoder de paisano, formiplac e céu de anil

Três destaques da Portela, carne-seca na janela, alguém que chora por mim

Um carnaval de verdade, hospitaleira amizade, brutalidade jardim

Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi

Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

 

Plurialva, contente e brejeira miss linda Brasil diz "bom dia"

E outra moça também, Carolina, da janela examina a folia

Salve o lindo pendão dos seus olhos e a saúde que o olhar irradia

Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi

Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

 

Um poeta desfolha a bandeira e eu me sinto melhor colorido

Pego um jato, viajo, arrebento com o roteiro do sexto sentido

Voz do morro, pilão de concreto tropicália, bananas ao vento

(Entra um grupo dançando o bumba-meu-boi)

Personagem 1 (Maranhão):

Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e setas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provocações
E em luta pôr-lhes fim? Morrer… dormir: não mais.” (Shakespeare)

Personagem 2 (Piauí):

E as mil pelejas naturais-herança do homem:
 Morrer para dormir… é uma consumação
 Que bem merece e desejamos com fervor.
 Dormir… Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:
 Pois quando livres do tumulto da existência,

 No repouso da morte o sonho que tenhamos
 Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita
 Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.
 Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,
 O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,
 Toda a lancinação do mal-prezado amor,
  A insolência oficial, as dilações da lei...” (Shakespeare)

(Toca música de Fagner - instrumental)

Personagem 3 (Ceará): Mas um povo que pensa e luta não merece morrer e nem se entrega às injustiças, às calúnias e aos infortúnios que a vida oferece. Somos castigados pela vida? Não, nosso inimigo é feito de carne e osso; não sofremos por destinação, não é o acaso que nos oprime e no faz merecedores de todo mal. Haja luta! Haja coragem! Guerreiros, lutai!

(Toca música de Alceu Valença - instrumental)

Personagem 4 (Rio grande do Norte):

 Dei-me licença, meu Senhor! Deixe-me beber a minha garapa, fumar o meu cigarro, pescar em noite de lua cheia e depois dormir no balanço da rede. Eu já sei de minhas amarguras, da escassez do ócio. Sei da minha labuta ao alvorecer para que o pão eu possa trazer. Do meu suor eu trago o porvir. Então, deixe-me sonhar, porque de sonhos se constroem a vida, não um sonho isolado, medíocre, mas um sonho coletivo. Eu Quero banho de mar, quero ver o sol nascer e admirar o sol se pôr. Quero correr e dançar, comer caranguejo, ser corriqueiro. Ser audaz, perspicaz e benfeitor.

(Toca uma música de Chico César - instrumental)

Personagem 5 (Paraíba):

A cor do meu canto há de espalhar-se entre as milhões de outras vozes a clamar por amor revolucionário, por alma desnudada, pela força de “mama África”. E por todos aqueles que choraram as dores da perda, em tom de flautas plangentes, e por todos aqueles que se foram sem haver tempo de dizer adeus, sejamos sempre complacentes, condizentes, coerentes... “Oh pai, afasta de nós este cálice de vinho tinto de sangue”

(música: Amarelo azul e branco)

Personagem 7 (Alagoas):

Não nos curvamos, somos resistência! Sociedade classista e hipócrita, quem és tu, para dizer-nos o que devemos fazer? Somos donos de nosso querer, ainda que tentais nos subornar, nos coagir, nos humilhar. Ninguém nos impedirá de viver!

(Pernambuco canta a primeira estrofe de Asa branca)

Personagem 6 (Pernambuco):

“Quando oiei a terra ardeno, qual fogueira de São João, eu preguntei a Deus do céu ai, porque tamanha judiação” Venha, eu te dou a minha mão, o meu braço, o meu ombro amigo, o meu abraço. Não tenha medo de vir comigo, ainda que corramos perigo!

(Sergipe entra cantando com violão)

Personagem 8 (Sergipe): “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”

Personagem 9 (Bahia): Óh, terra de Gal, de Caetano e de Bethânia. Nós que fazemos samba, dançamos axé, comemos acarajé, merecemos ser felizes! Dance comigo no embalo dessa canção, ao som do meu berimbau, no toque do meu coração, porque “Eu sou amor, da cabeça aos pés, eu sou amor.”

(entram capoeiristas e dançam capoeira; logo depois entram todos e cantam a música “O que é, o que é”)

Coro:

Viver e não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar, e cantar, e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz

Ah, meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor
E será!

Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita

Coro: Viva o Nordeste!


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