O reino encantado da campanha eleitoral

 




Tenho andado sumida deste espaço de diálogo. É que nos últimos dois meses minha rotina mudou bastante. Estou vivendo uma espécie de intercâmbio em uma cidade vizinha para realizar um serviço sazonal, produção de propaganda eleitoral.

E nessa sazonalidade, de dois em dois anos, alguns comportamentos tendem a se repetir no seio social. Os sorrisos largos com dentes bem alinhados nos rostos das figuras que disputam a corrida eleitoral, muitos apertos de mão e abraços apertados, crianças no colo, acenos, poses, o famoso V de vitória, polegar indicando “legal”... Até aí, as cenas são como reprise do mesmo filme que é veiculado em datas especiais, como o “Esqueceram de mim” no período natalino, “Paixão de Cristo” na páscoa, e por que não o “Auto da compadecida” que tanto nos faz rir?

Todas as campanhas parecem iguais não é mesmo? Embora as repetições ainda tomem conta de quase todo o enredo dessa narrativa, o que tenho observado de diferente durante esses últimos quase 60 dias, é que uma pequena parte do eleitorado tem demonstrado repulsa a algumas figurações.

Essa postura crítica tem várias razões, de um lado o descrédito nos discursos que mesmo se reinventando, ainda utilizam os mesmos chavões, e do outro o receio pelas consequências ainda bem latentes do contágio do novo Coronavírus. Não é redundante lembrar que desde fevereiro estamos imersos em uma das maiores crises sanitárias mundiais, que já vitimou mais de 160 mil brasileiros nos últimos oito meses.

Todos os esforços empenhados para garantir o isolamento social, a transparência na divulgação dos dados sobre infectados e mortos, formas de controle, possíveis tratamentos e a incansável busca pela vacina parecem ter sido esquecidos desde que a Justiça Eleitoral autorizou a realização de convenções partidárias e por último, o período oficial de campanha eleitoral nas ruas desde 27 de setembro.

Como nas crônicas de Nárnia ou quando Alice atravessa o caminho até o país das maravilhas onde tudo é possível, mal colocaram o bloco na rua, os candidatos que até então encenavam nas redes sociais lamentando pelas vítimas da Covid-19 e pedindo cautela, esqueceram totalmente que a máscara se tornou um utensílio indispensável ao vestuário, e que um simples aperto de mão pode ser tão letal como uma bala. Na plateia, boa parte da população reage da mesma forma, aglomerada, se abraçando, sem máscara.

E assim, todos vão vivendo essa narrativa de aventura que é o período eleitoral, como se estivéssemos entrado num reino encantado, tentando burlar as regras estabelecidas pelos órgãos de controle, como os atores que sempre demonstram ser mais espertos que os seus opositores por estarem assim, juntinho do povo. O problema é que diferente do universo literário e cinematográfico, não temos sósia ou figurantes e não podemos repetir a cena quando dá errado e mandar ao “falha nossa” na TV para fazer o público rir.

Estamos na vida real, ainda em meio a essa pandemia, que mesmo parecendo ter recuado, continua fazendo suas vítimas dia após dia. O final desse espetáculo? Infelizmente não é o resultado de quem ganhou ou perdeu as eleições. Temo ser uma nova onda violenta de contágio em larga escala, como já sinalizam algumas cidades no nordeste que viajaram nesse mundo mágico das campanhas e já estão contabilizando os prejuízos, mesmo antes do espetáculo eleitoral chegar ao fim.

Quem vai pagar para ver esse final? Todos nós que fazemos parte do elenco ou da plateia.

 

 

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