Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça, dando milho aos pombos
(Divulgação)
Diante de uma virada de década
tão atípica, com perspectivas futuras nada otimistas, entramos em 2021 ainda
sem conseguir nos restabelecer do baque que foi 2020. Não apenas pelos efeitos
da pandemia da Covid-19, mas pelo pós-eleições e seus derivados.
Mal entramos o ano, não por
acaso, o número de infectados e mortos pelo Coronavírus voltou a subir
bruscamente, colocando o Brasil mais uma vez no topo dos países onde a condução
das medidas sanitárias tem sido desastrosa. Reinfecções, nova cepa do vírus
ainda mais letal, e uma disputa político-ideológica sobre a eficácia das
vacinas já produzidas nos colocaram de volta ao olho do furacão.
Como
diz o ditado de um humorista daqui, não há nada ruim que não possa piorar. Além
do incentivo público às aglomerações, praticado por autoridades, o fim do
auxílio emergencial, inflação de insumos essenciais como a cesta básica e os
combustíveis, temos o dilema da volta às aulas de forma presencial.
Com a
relativa queda no número de doentes e mortes entre os meses de setembro e
novembro, coincidentemente o período eleitoral, escolas particulares correram
contra o tempo para aquisição de E.P.I’s e divulgação de planos de contingenciamento
e tiveram autorização legal para retomar o ensino de forma presencial. Enquanto
isso, os sistemas de ensino da rede pública continuaram lutando contra a evasão
e a exclusão digital, na tentativa de “salvar o ano letivo” de forma remota. Para
tentar diminuir essa diferença, muitos sistemas públicos em diversos estados decidiram
também pelo retorno presencial em 2021, mesmo sem vacina ou testagem em massa.
Enquanto
as doses de vacinas são aplicadas em “conta gotas”, o povo vai sendo
bombardeado de todas as formas, imóvel, sem poder de reação. Trabalhadores de
um lado, vivendo as incertezas do porvir, sendo obrigados a ir para a linha de
frente, não apenas nas unidades de saúde, mas também nas escolas. As famílias
de outro, divididas entre enviarem ou não seus filhos à escola. Mas boa parcela
pressionando por esse retorno, tanto por não conseguirem conduzir poucas horas
de estudo dos filhos em casa, como por não terem mais uma rede de apoio no
cuidado aos filhos enquanto trabalham.
Nos
últimos dias, tenho observado grupos de estudo, entidades e associações
debaterem exaustivamente os efeitos desse retorno às salas de aula sem vacina. Alguns
ainda arriscam convocar para o protesto. Mas é como se o grito não fosse
ouvido. Estamos atônitos, adormecidos, sem forças sequer de falar porque muitos
de nossos pares perderam a vontade de lutar ou deixaram o medo dominar-lhes.
Em meio a essa divisão de
opiniões, diante de um cenário político-econômico de catástrofe, parafraseio Zé
Geraldo: “Eu já nem sei o que mata mais, se o trânsito, a fome ou a guerra, se
chega alguém querendo consertar, vem logo a ordem de cima, pega esse idiota e
enterra”. Suas palavras, compostas em forma música há exatos 40 anos, cabem
perfeitamente nesse mosaico confuso. Vale relembrar a letra:
Enquanto esses
comandantes loucos
Ficam por aí queimando pestanas
Organizando suas batalhas
Os guerrilheiros nas alcovas
Preparando na surdina suas mortalhas
A cada conflito mais escombros
Isso tudo
acontecendo e eu aqui na praça
Dando milho aos pombos
Entra ano, sai ano,
cada vez fica mais difícil
O pão, o arroz, o feijão, o aluguel
Uma nova corrida do ouro
O homem comprando da sociedade o seu papel
Quando mais alto o cargo maior o rombo
Isso tudo
acontecendo e eu aqui na praça
Dando milho aos pombos...

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