Sobre a saga do retorno e a política do Estado mínimo

 


Com o advento da pandemia, passei a escrever sobre algumas situações que incomodam e revoltam quanto ao tratamento do poder público aos problemas já existentes, mas que foram acentuados desde março de 2020. 

O abandono à parte norte do Tocantins no quesito efetividade das políticas públicas, em especial a falta de leitos de UTI, a política da sacolinha com a promoção pessoal de algumas figuras nesse contexto de insegurança alimentar e os apelos à comunidade para o respeito às regras de distanciamento, foram algumas das pautas abordadas nesses últimos 17 meses. Entre tantas considerações, o contexto educacional na rede pública foi o tema mais recorrente por aqui.

Hoje mais uma vez sinto a necessidade de tocar nesse ponto. A SAGA DO RETORNO À AULAS PRESENCIAIS. Como bem sabem, sou professora da rede estadual e leciono em uma escola na zona rural de Sítio Novo do Tocantins. 

Desde a suspensão das aulas presenciais, em março de 2020, e a adoção do ensino remoto, inúmeras foram as determinações do Governo do Estado para o retorno às aulas presenciais. A primeira da qual me recordo, com uma leve queda nos índices de infectados e mortes em meados de setembro de 2020, quando ainda não havia vacina aprovada, teve de ser abortada com a segunda onda de contágio. A segunda, após a virada de ano, também infrutífera, com a terceira onda. 

E daí em diante, o tema não tem sido outro nas escolas, o retorno. Por último, com o início da imunização e a moda dos vacinômetros, o que até então estava no papel com os planos de retorno, passou a ser uma corrida desenfreada para ver quem chega primeiro e coloca novamente crianças e adolescentes nas salas de aula. 

Nesse vai e vem entre retomadas e recuadas, o que me incomodou nos últimos dias foi a proposta de “governo municipalista” nesse processo de retomada que envolve metade da população do estado, entre servidores, alunos e familiares. 

Com a desculpa de fazer gestão compartilhada, dando autonomia aos entes administrativos municipais, a gestão do estado na verdade desenvolve a política do Estado mínimo, aos moldes do neoliberalismo. De acordo com Norberto Bobbio, o Estado Mínimo é a noção corrente para representar o limite das funções do estado dentro da perspectiva da doutrina liberal. Dessa forma, o Estado, a serviço do capital, descentraliza o poder de decisão, bem como acaba por se eximir de muitas das suas responsabilidades, afetando diretamente a prestação de serviços públicos e contrariando a ideia de bem-estar social.

Com o discurso municipalista, a decisão sobre retomada de serviços e atividades de forma presencial ficou a cargo das prefeituras. Assim, com a omissão da gestão estadual sobre a determinação pela retomada, municípios, pressionados pela iniciativa privada, disputam o pódio como se estivéssemos participando daquele desenho animado “Corrida Maluca”, onde o ponto de chegada seja a sala de aula. 

Pelo caminho nossos obstáculos têm sido a demora da vacina e a falta de estrutura para garantir todos os protocolos, somados à ansiedade confundida com insegurança.

Não podemos negar que o ensino remoto acentuou os problemas que a escola pública enfrenta ao longo da história, bem como da urgência em garantir as aprendizagens essenciais aos estudantes, o que será mais viável com o retorno presencial. Tanto pela falta de acesso à internet banda larga pelos alunos, pela rotina exaustiva dos professores com exigência de novas habilidades voltadas ao audiovisual, principalmente pela evasão escolar, temos de concordar que o retorno é fundamental. Porém, o ideal seria que todos completassem o ciclo de imunização com a segunda dose, inclusive os alunos.

Não estamos nos negando a trabalhar, pois com exceção das férias coletivas, nunca paramos um único dia. Mas não fomos nós, professores e alunos, que incentivamos o descumprimento das medidas de distanciamento, que espalhamos fake news sobre a falsa eficácia do tratamento precoce, tampouco faturamos com a negociação de marcas para os insumos da vacina que  retardaram o calendário vacinal. 

Os prejuízos que a educação pública tem amargado nesse processo são única e exclusivamente responsabilidade do Estado, em suas diversas esferas. Esse mesmo Estado que deixa à própria sorte pequenos municípios e suas decisões sobre a retomada, sabe que ainda não há condições seguras para o retorno, mas como age a serviço do capital, precisa dar uma resposta à sociedade liderada pelo mercado.

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