Patriotismo a lá Dom Quixote

 

Resquícios de uma pandemia com mais de 600 mil vítimas, inflação assombrando os lares de quem tem mais bocas para alimentar do que a renda mensal pode comprar, e muitas tensões em um período eleitoral marcado pela intolerância.

Considerada a mais acirrada de toda a história da democracia brasileira, no palco da disputa presidencial de 2022, as propostas que futuro para devolver ao povo otimismo em dias melhores, foi sufocada por um verdadeiro tsunami de agressões pessoais e fake news, cada vez mais absurdas pela ausência total de ética e insistente desrespeito à lei.

Passados quase dez dias, o resultado das urnas parece ter aberto um universo paralelo para muitas dezenas de eleitores Brasil afora. Vigílias sob chuva na frente de quarteis invocando o artigo 142 da Constituição Federal, crianças usadas como escudo em protestos, carona no para-choque de caminhão, comemoração da suposta prisão de um ministro da Suprema Corte, orações rogando pela morte do presidente eleito, e até a cantora POP Lady Gaga assumindo o cargo de primeira ministra do Tribunal Internacional de Haia, são alguns dos episódios dessa novela que parece ter saído  das páginas de alguma obra de fantasia.

Após o Tribunal Superior Eleitoral declarar a vitória de Luís Inácio Lula da Silva como novo presidente do Brasil em 02 de outubro, parte dos eleitores que se identificam como “patriotas” parece ter entrado nas páginas de um livro infanto-juvenil que transporta o leitor ao mundo da imaginação. Diante da frustração de não ter sua vontade prevalecido, comportam-se como se tornassem reais as narrativas que abrem universos paralelos como em Alice no país das maravilhas, as Crônicas de Nárnia, Harry Potter e Dom Quixote.

No enredo, que tem como situação inicial a não aceitação do resultado das urnas, pequenos grupos pulverizados em pontos diferentes do país, embarcando na aventura do golpe em defesa de uma democracia invertida e desvirtuada, onde a minoria é quem leva. Movidos pela cegueira da paixão ideológica, ignoram até as palavras de seu ídolo ao pedir que os atos cessem.

Os sacríficos da batalha que acreditam ser homérica, justificam-se em defesa de uma bandeira verde e amarela, que não mais representa as matas e as riquezas brasileiras de outrora. O verde que protegem é o do lucro dessa minoria que está nas ruas, mas que não vive na base da pirâmide social em contraste direto com o amarelo, o da fome como vista pela maioria que votou pela esperança de poder continuar sobrevivendo e enxergar todas as cores na garantia de direitos já conquistados.

Ainda na aventura delirante na qual embarcaram, tentam a todo custo evitar o final dessa narrativa escrevendo novos capítulos com a réplica de novas mentiras e distorções da realidade pelas redes sociais. A mais recente, até o momento em que me ponho a fazer essa breve comparação, é um vídeo onde uma mulher diz ter sabido de outra mulher, que sua filha haveria contado de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) sofrido pelo presidente eleito, Lula, que em estado grave, não teria condições de assumir o governo em 1º de janeiro. Sem fonte, sem boletim médico, essa fake circulou pelas redes sociais e alcançou milhões de visualizações em poucas horas. Em meio as comemorações pela enfermidade do presidente, esqueceram-se de que a legislação brasileira prevê um cargo de vice justamente para as situações onde a substituição for necessária.

Inebriados pela ilusão de libertar o país do monstro do comunismo, escutam chapeleiros malucos, voam em animais falantes e agem como Dom Quixote, enxergando inimigos pela histeria que o dominou. A diferença, é que a realidade paralela em que o protagonista de Miguel de Cervantes entrou, deu-se pela intensa leitura de obras literárias densas e de grande valor cultural, enquanto os manifestantes de verde-amarelo, enlouquecem pela leitura excessiva de fake news, cada vez mais pobres de criatividade e bom senso. Os gigantes de Dom Quixote eram moinhos de vento, o gigante do Brasil é o povo que votou e foi às ruas.

Na literatura, os desfechos das narrativas são marcados pelo retorno pra casa, de Alice do país das maravilhas, de Harry da escola de Hogwarts, das crianças de Nárnia, e de Dom Quixote à razão. Todas essas viagens imaginárias, tem em seu enredo frustrações e aprendizado de valores. Como a viagens dos patriotas pode encerrar, vamos aguardar os próximos capítulos.

 

 


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