A bibliotecária

 


Na escola onde cursei o ginásio (sim, sou dessa época), tivemos uma biblioteca de fato. Era uma espécie de anexo construído no final do pavilhão de salas, num puxadinho. Era pequena na mesma proporção em que era aconchegante. Não por possuir acervo novo, mobília ou ambiente climatizado.

Aquele espaço era sempre receptivo porque nele trabalhava uma senhora tão gentil e convidativa como a literatura. Já na iminência da sonhada aposentadoria, mesmo sem formação acadêmica, aquela professora normalista remanejada de função dava o ar de magia que as bibliotecas necessitam.

Ela não ficava parada atrás do balcão de concreto. Antes mesmo de tocar o sinal da entrada ou da saída para o recreio, lá estava ela na porta com um sorriso largo no rosto, como aqueles que as avós esboçam para os netos. Era o convite para que adolescentes, tipicamente desinteressados por leitura, adentrassem o ambiente e fizessem a maior bagunça nas prateleiras, folheando e escolhendo o livro que levariam emprestado para casa.

As duas mesas redondas eram pequenas para a turma espalhar as cartolinas e preparar os cartazes dos trabalhos em grupo. Mas ela sempre arranjava um jeito de acomodar a todos enquanto acompanhava as discussões e ia sugerindo leituras e pesquisas disponíveis nas quatro estantes de ferro atrás do balcão.

É como se visse projetados em minha frente as coleções Barsa, os gibis, minidicionários Aurélio, clássicos dos contos de fadas e os de terror, minuciosamente organizados a cada final de expediente, depois da bagunça criativa dos alunos. 

Ah, e o controle de empréstimos? Esse sim era igual a coração de mãe. Mãe não, de avó... Na planilha desenhada a caneta com régua, sempre que alguém perdia o prazo, lá estava o corretivo para alterar a data de entrega, sempre nos livrando da assinatura dos pais nas advertências. 

Alguém pode até pensar que isso era incentivo à impunidade, mas eu vejo como o incentivo à leitura, dos que muitas crianças e adolescentes não desfrutaram ainda. Como aquela gota de água que o beija-flor leva à floresta para tentar apagar um incêndio. É desse tipo de incentivo que tive o privilégio de receber da bibliotecária de minha escola, e que eu batalho muito para tentar oferecer aos meus alunos.

Entre os debates que a academia tem feito incansavelmente sobre o direito à leitura e à literatura, que todos os alunos possam conviver com bibliotecárias como a da minha juventude deveria constar no topo da lista.

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