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Mostrando postagens de dezembro, 2020

Mundo novo, velhas práticas

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  Após a grande depressão do início do século XX provocada pela Gripe Espanhola e colapso da economia, em 1932 o escritor inglês Aldous Huxley lançava o romance “Admirável mundo novo”. Literatura de ficção que traz em seu enredo o conflito entre o conformismo da grande massa e a mudança social pela qual lutavam os excluídos. No contexto da obra futurista, Huxley apresenta uma sociedade controlada pelo Estado em um governo totalitário através do poder científico, exercido perante uma comunidade dividida em castas, estas mais valorizadas e reconhecidas se compostas por seres inteligentes, bonitos e de bom porte físico. Em contrapartida, os grupos inferiores tinham adjetivos diretamente contrários, e por isso, eram relegados à própria sorte. A morte era vista como algo bonito, como não existia sentimentos, não existia tristeza relacionada à morte. Como toda boa narrativa, o conflito ocorre quando o protagonista, por não se encaixar nos padrões de sua casta, conhece um mundo novo, o...

NÃO SEI COZINHAR!

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  Crítica à divisão social do trabalho no ambiente doméstico Dos dilemas acentuados na pandemia, o de ser mulher e não saber cozinhar Sou mulher, mãe e esposa. Tenho 34 anos, mas não sei cozinhar! Embora tenha desenvolvido outras habilidades relacionadas aos afazeres domésticos e à vida profissional fora do lar, a falta de afinidade com a arte da culinária parece que me torna menos mulher aos olhos da sociedade. Quando criança, as brincadeiras de fazer “comidinhas” nunca me afeiçoaram. Preferia as de aventura e que envolvessem situações de oratória como brincar de escola, de vendas, com jogos de tabuleiro... de cozinhar, não.   Na divisão das tarefas em casa, na adolescência, sempre me ofereci para a limpeza, lavar a louça, tentando evitar o contato com o preparo dos alimentos. Quando minha mãe me indagava como eu viveria quando casasse ou tivesse minha própria casa, eu costumava dizer que iria estudar e trabalhar bastante para poder remunerar uma cozinheira de forma j...

Não podemos parar

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  Não venho de um berço onde a leitura fosse prática diária, o hábito de falar em público, muito menos a escrita. No norte do Tocantins, vivi no seio de uma família que sempre viu os livros, embora parcos, como objetos de grande valor, assim como a Bíblia para os cristãos, algo sagrado, para ficar guardado, longe do perigo das mãos. Mas tenho boas lembranças com o mundo da leitura, embora com pouco acesso a livros, uma relação muito bonita com a leitura de mundo que Freire defendeu em toda a sua obra. Sou neta de agricultores que só sabiam desenhar seus nomes, que não puderam ler as palavras, mas que sempre leram o mundo em suas diversas nuances, principalmente as socioeconômicas. Meus pais não concluíram o ensino médio devido o casamento precoce antes da maioridade legal. As leituras de que recordo em casa, feitas pelos adultos são os cadernos de receitas e revistas de crochê, exclusivamente consumidos pelo público feminino, e os livretos com narrativas de faroeste, restritos à ...

Enquanto a vacina não vem

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  Findadas as aventuras eleitorais vivenciadas nos últimos meses, por mera coincidência ou por pura ironia, os casos da Covid-19 voltam a assustar.    Seria o famoso efeito dominó do relaxamento nas medidas de prevenção? Ou porque o assunto voltou a ser manchete na mídia depois que o picadeiro das disputas partidárias apagou as luzes? Além dos milhares de anônimos acometidos ou vitimados pela doença, desde o 15 de novembro muitas personalidades artísticas e políticas também entraram para as estatísticas. O que acalorou o debate em torno da necessidade de se prolongar e endurecer as medidas de contenção através do controle estatal. Essa nova onda de notícias sobre o colapso dos sistemas de saúde Brasil afora ganhou um novo fato: o início dos testes para a imunização em massa em vários países, exceto na terra verde amarela. Enquanto cientistas avaliam os efeitos colaterais do antídoto nos voluntários em outras partes do globo, aqui assistimos ao embate entre os estados ...

O reino encantado da campanha eleitoral

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  Tenho andado sumida deste espaço de diálogo. É que nos últimos dois meses minha rotina mudou bastante. Estou vivendo uma espécie de intercâmbio em uma cidade vizinha para realizar um serviço sazonal, produção de propaganda eleitoral. E nessa sazonalidade, de dois em dois anos, alguns comportamentos tendem a se repetir no seio social. Os sorrisos largos com dentes bem alinhados nos rostos das figuras que disputam a corrida eleitoral, muitos apertos de mão e abraços apertados, crianças no colo, acenos, poses, o famoso V de vitória, polegar indicando “legal”... Até aí, as cenas são como reprise do mesmo filme que é veiculado em datas especiais, como o “Esqueceram de mim” no período natalino, “Paixão de Cristo” na páscoa, e por que não o “Auto da compadecida” que tanto nos faz rir? Todas as campanhas parecem iguais não é mesmo? Embora as repetições ainda tomem conta de quase todo o enredo dessa narrativa, o que tenho observado de diferente durante esses últimos quase 60 dias, é...

Salve-se quem puder porque precisamos salvar o ano letivo!

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              Em 1997, o cineastra James Cameron lançava o milionário “Titanic”. Vencedor de 11 oscars , o longa épico narra o romance fictício entre dois jovens durante a reprodução do naufrágio real ocorrido em 1912. Campeão de bilheteria, o sucesso do filme ainda repercute na internet até hoje. Não apenas pelas cenas de romance e drama, mas pelos memes que os internautas compartilham nas redes. Entre os desdobramentos cômicos, o da orquestra tocando enquanto o navio era consumido pelas águas geladas do Atlântico Norte é um dos mais famosos. O gesto do maestro e seus músicos figura uma tentativa de dizer “já que vamos todos morrer, não podemos parar de entreter o público”. Observando discussões sobre a volta à as aulas antes da imunização em massa contra a Covid-19, justamente essa cena da orquestra do Titanic veio à tona. Entre os tantos desdobramentos negativos da pandemia da Covid-19, banalizados pelo discurso de um...

O jogo do “Par ou ímpar?” na política

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  Há cerca de 500 a.C., os matemáticos discípulos de Pitágoras estudavam a natureza dos números. De acordo com a concepção pitagórica, par é o número que pode ser dividido em duas partes iguais, sem que uma unidade fique no meio, e ímpar é aquele que não pode ser dividido em duas partes iguais, porque sempre há uma unidade no meio. Ao se trabalhar com a educação básica, para ensinar as crianças essa classificação dos números naturais, geralmente recorremos a estratégias que envolvem brincadeiras, músicas, e exemplificações diversas com apoio de materiais concretos. Nessa rotina, as crianças aprendem que dividir o todo em partes iguais é bem mais simples e equilibrado que a divisão dos números ímpares. Até aqui tudo muito tranquilo e óbvio. Mas, a lógica matemática como a concebemos na escola, não funciona com a mesma clareza nas relações sociais que permeiam o campo da política.   Há cerca de três anos, eu ouvi de um profissional em marketing político uma outra definiç...

Não me importei com isso, ninguém se importa comigo

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  Após nove meses de pandemia, muitas experiências vivenciadas nesse período, entre elas uma campanha eleitoral onde acabamos nos esquecendo do perigo da Covid-19, retomo esse texto escrito ainda em abril, e a sensação é de que ainda estivesse no mesmo dia em que o escrevi. Vale lembrar! Afinal, o ano de 2020 está no apagar das luzes, e com o novo ciclo que se anuncia, logo virá novamente o carnaval. ...             É cultural no Brasil o ditado de que o ano só começa após o carnaval. Pois bem, por pura ironia dos acontecimentos, foi justamente após o carnaval que passamos a assistir, ler e presenciar a chegada da primeira pandemia do século XXI em nosso território, o Coronavírus.             Tragédia anunciada, o caos presenciado nos dias vividos nas últimas semanas teve seu primeiro sinal antes do natal, numa pequena comunidade asiática. Mas, nosso egoísmo capital...

Vivemos a sociedade do espetáculo ou da hipocrisia?

  Desabafo escrito em maio de 2020 Em 1967, ainda no cenário do pós-guerra e durante regimes totalitários, o escritor francês Guy Debord, já dizia que “num mundo realmente invertido, a verdade é um momento do que é falso”. De influência marxista, sua principal obra “Sociedade do espetáculo”, tem influenciado a formação crítica ao redor do globo. Por indicação de uma amiga jornalista, quando refletíamos questões pertinentes à esfera política, conheci a obra há alguns anos. Nos últimos dias, a memória dos escritos filosóficos de Debord vêm me incomodando, principalmente pelo substantivo “espetáculo”, numa crítica sensata à dinâmica da sociedade contemporânea. Suas teorizações escancaram os bastidores e implícitos das engrenagens de uma sociedade que sobrepôs a aparência à essência, as coisas aos seres, e as evidências às experiências, por fim o registro ao sentido. À primeira vista você até pode se escandalizar e discordar da visão expressa na obra, mas não pode negar a debil...